{"id":409,"date":"2023-02-15T15:46:44","date_gmt":"2023-02-15T15:46:44","guid":{"rendered":"https:\/\/www.viniciusvieira.adv.br\/?p=409"},"modified":"2023-02-15T15:46:44","modified_gmt":"2023-02-15T15:46:44","slug":"corrupcao-de-menores-art-218-cp-da-analise-critica-e-literal-a-interpretacao","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.viniciusvieira.adv.br\/corrupcao-de-menores-art-218-cp-da-analise-critica-e-literal-a-interpretacao\/","title":{"rendered":"Corrup\u00e7\u00e3o de Menores (ART. 218, CP): Da an\u00e1lise cr\u00edtica e literal \u00e0 interpreta\u00e7\u00e3o"},"content":{"rendered":"

1. INTRODU\u00c7\u00c3O<\/strong><\/p>\n

Doutrina e Jurisprud\u00eancia muito discutem acerca das figuras t\u00edpicas que visam proteger o bem jur\u00eddico dignidade sexual e, tal debate se intensifica quando tais crimes s\u00e3o praticados contra vulner\u00e1veis. Para fins penais, considera-se vulner\u00e1vel toda pessoa menor de 14 anos ou que conte com alguma esp\u00e9cie de aliena\u00e7\u00e3o ou debilidade mental que lhe cause uma imaturidade extr\u00ednseca que lhe impossibilite oferecer qualquer resist\u00eancia quando da pr\u00e1tica delitiva.<\/p>\n

\u00c9 fato que a sociedade, de uma forma geral, est\u00e1 em constante muta\u00e7\u00e3o, tanto no que tange aos ideais pol\u00edticos e econ\u00f4micos, quanto \u00e0 pr\u00f3pria cultura e o comportamento dos indiv\u00edduos e, a vista disso, \u00e9 mister que o direito acompanhe estas mudan\u00e7as para regular e se adequar ao comportamento do conjunto social.<\/p>\n

Conforme j\u00e1 exposto, o direito deve se adequar ao comportamento do conjunto social de forma a manter-se atualizado, e para enquadrar isso no contexto que se refere este texto, isto \u00e9, os crimes sexuais cometidos contra vulner\u00e1veis, pode-se visualizar no T\u00edtulo VI do C\u00f3digo Penal de 1940 que rezava sobre Dos Crimes Contra os Costumes.<\/em><\/p>\n

O retro transcrito t\u00edtulo abordava algumas figuras t\u00edpicas que era condizente com os costumes da d\u00e9cada de 40, como crime de Sedu\u00e7\u00e3o, revogado pela Lei 11.106\/2005, descrito no Art. 217, que constava com a seguinte reda\u00e7\u00e3o:\u201cSeduzir mulher virgem, menor de 18 (dezoito) anos e maior de 14 (catorze), e ter com ela conjun\u00e7\u00e3o carnal, aproveitando-se de sua inexperi\u00eancia ou justific\u00e1vel confian\u00e7a.\u201d.<\/em> O revogado artigo, vigente at\u00e9 o ano de 2005, deixa expl\u00edcito a caracter\u00edstica da sociedade da \u00e9poca em que a conduta de sedu\u00e7\u00e3o foi tipificada, demonstrando o conservadorismo.<\/p>\n

Em 2009, o T\u00edtulo VI do C\u00f3digo Penal de 1940, foi alterado para a seguinte reda\u00e7\u00e3o \u201cDos Crimes Contra a Dignidade Sexual\u201d, <\/em>e o Cap\u00edtulo II deste T\u00edtulo que constava \u201cDa Sedu\u00e7\u00e3o e da Corrup\u00e7\u00e3o de Menores\u201d<\/em>, passou a ter a seguinte reda\u00e7\u00e3o \u201cDos Crimes Sexuais Contra Vulner\u00e1veis.\u201d, <\/em>ambas as altera\u00e7\u00f5es foram decorrentes da entrada em vigor da Lei 12.015\/2009, que reformulou a tipifica\u00e7\u00e3o dos crimes sexuais, restando, sem sombra de d\u00favidas, a adequa\u00e7\u00e3o do direito diante dos novos costumes da sociedade.<\/p>\n

Dentre as condutas que foram tipificadas pela nova ordem normativa, h\u00e1 que se destacar a figura da Corrup\u00e7\u00e3o de Menores, representada pelo Art. 218 do CP, que \u00e9 alvo de muitas discord\u00e2ncias, seja pela nomenclatura adotada pelo legislador, seja pela forma que tem sido aplicado pelo int\u00e9rprete da lei, mas cujas cr\u00edticas ser\u00e3o oportunamente analisadas.<\/p>\n

2. AN\u00c1LISE CR\u00cdTICA E LITERAL ACERCA DO ART. 218, CP.<\/strong><\/p>\n

O legislador ao dar vida \u00e0 Lei 12.015\/2009, buscou, al\u00e9m de atualizar a norma relativa \u00e0 recorrente e desvirtuosa pr\u00e1tica de crimes contra a dignidade sexual, proteger, veementemente, todas as pessoas que est\u00e3o sujeitas a serem v\u00edtimas e, mais especificamente, aquelas que a vitimologia denomina como v\u00edtimas incapazes,<\/em> que s\u00e3o os menores de 14 anos, as pessoas que t\u00eam alguma aliena\u00e7\u00e3o ou debilidade mental, onde estas condi\u00e7\u00f5es oportunizam a pr\u00e1tica criminosa, tornando-as ref\u00e9ns deste mal, isto tudo em raz\u00e3o de n\u00e3o terem qualquer possibilidade de oferecer resist\u00eancia.<\/p>\n

Todavia, ao determinar a norma incriminadora no que tange ao crime de Corrup\u00e7\u00e3o de Menores, constante no Art. 218 do C\u00f3digo Penal Brasileiro, que aduz \u201cInduzir algu\u00e9m menor de 14 (catorze) anos a satisfazer a lasc\u00edvia de outrem\u201d[1]<\/strong><\/a><\/em>, na qual, o agente, sujeito ativo deste crime, incorrer\u00e1 em uma pena de 02 (dois) a 05 (cinco) anos de reclus\u00e3o, o legislador deixou um tanto quanto confusa a sua exegese, bem como qual foi a sua inten\u00e7\u00e3o ao redigir este tipo espec\u00edfico, incumbindo, tacitamente, \u00e0 doutrina e aos tribunais, designarem a interpreta\u00e7\u00e3o apropriada.<\/p>\n

Destarte, para que se possibilite entender o tipo no sentido literal e cr\u00edtico, \u00e9 mister que se fa\u00e7a uma an\u00e1lise utilizando a atual acep\u00e7\u00e3o doutrin\u00e1ria e, posteriormente, se dirima o impasse que assola esta mesma doutrina e que reflete nos tribunais patrio hodiernamente, qual seja, no que diz respeito ao enquadramento da norma sobre a conduta do agente.<\/p>\n

A priori<\/em>, cabe examinar o n\u00facleo do tipo, induzir. <\/em>Acerca da sua etimologia, trata-se de uma mistura de duas palavras de origem latina, in (dentro, para dentro) + ducere (guiar, conduzir, liderar),<\/em> isto \u00e9, incutir na mente do sujeito uma ideia, atrai-lo a praticar algum ato, ou sugerir que se pratique, de modo que n\u00e3o pode ser confundido com instigar<\/em>, ou seja, dar uma motiva\u00e7\u00e3o a mais a uma ideia j\u00e1 existente no pensamento do sujeito, ou com obrigar, <\/em>que \u00e9 impor como um dever, n\u00e3o opcional.<\/p>\n

Contudo, a doutrina autorizada entende que n\u00e3o seria razo\u00e1vel promover tal distin\u00e7\u00e3o quando se refere ao ato de instigar, devendo tal express\u00e3o ser interpretada em benef\u00edcio do r\u00e9u, pois, n\u00e3o seria conceb\u00edvel que o sujeito que instiga incorra nas penas do crime de estupro de vulner\u00e1vel, enquanto o que induz incorra nas penas do crime de corrup\u00e7\u00e3o de menores.<\/p>\n

Conforme delimitou-se acima, na ideia da a\u00e7\u00e3o de induzir<\/em>, o sujeito passivo tem, neste caso, a op\u00e7\u00e3o de promover a satisfa\u00e7\u00e3o da lasc\u00edvia de outrem, ou n\u00e3o, permanecendo livre para escolher e agir. Ocorre que a no\u00e7\u00e3o de lasc\u00edvia n\u00e3o \u00e9 muito clara na concep\u00e7\u00e3o doutrin\u00e1ria, isto porque, h\u00e1 um n\u00edtido impasse quanto o seu significado, gerando, pois, uma d\u00favida no ato de interpretar a norma, qual seja, o que \u00e9 lasc\u00edvia?<\/em><\/p>\n

Com o fito de dirimir a d\u00favida levantada acerca da palavra lasc\u00edvia[2]<\/strong><\/a><\/em>, \u00e9 imprescind\u00edvel que seja buscado, de in\u00edcio, o seu significado no dicion\u00e1rio de l\u00edngua portuguesa, Novo Aur\u00e9lio do S\u00e9culo XXI, que traz um conceito abordando, inclusive, as duas acep\u00e7\u00f5es doutrin\u00e1rias, tanto no que tange \u00e0 libidinagem, quanto \u00e0 sensualidade.<\/p>\n

De um lado, Andr\u00e9 Estefam, entende que lasc\u00edvia <\/em>\u00e9 \u201c…o desejo sexual; o desafogo do prazer de cunho er\u00f3tico; a vaz\u00e3o \u00e0 lux\u00faria[3]<\/strong><\/a>\u201d<\/em>,Luiz Regis Prado e Guilherme de Souza Nucci, \u00a0t\u00eam interpreta\u00e7\u00f5es similares.<\/em><\/p>\n

No entanto, contrariamente \u00e0 vis\u00e3o da corrente precedente, Cezar Roberto Bitencourt, tem a seguinte percep\u00e7\u00e3o de lasc\u00edvia, \u201cLimita-se, portanto, \u00e0s pr\u00e1ticas sexuais meramente contemplativas, como, por exemplo, induzir algu\u00e9m menor de 14 anos a vestir-se com determinada fantasia para satisfazer a lux\u00faria de algu\u00e9m\u201d[4]<\/strong><\/a><\/em>, e ainda completa \u201c…sustentamos que a atual previs\u00e3o do art. 218 n\u00e3o exige, sequer, contato f\u00edsico da v\u00edtima com terceiro, podendo, inclusive, configurar o crime a simples contempla\u00e7\u00e3o l\u00fadica da v\u00edtima em circunst\u00e2ncias suficientes para excitar a lasc\u00edvia de algu\u00e9m.\u201d[5]<\/strong><\/a>,<\/em> seguido por Fernando Capez, Victor Eduardo Rios Gon\u00e7alves e Luiz Fl\u00e1vio Gomes.<\/em><\/p>\n

Desta forma, se conclui que a lasc\u00edvia <\/em>nada mais \u00e9 do que todo ato suficiente para satisfazer o prazer sexual, incluindo nesse contexto, o ato libidinoso e a conjun\u00e7\u00e3o carnal, agir com sensualidade, etc.<\/p>\n

Atrav\u00e9s da an\u00e1lise literal e cr\u00edtica do tipo penal em quest\u00e3o, observa-se que a vulnerabilidade encontra-se, explicitamente, no menor de 14 anos, e implicitamente, pelas outras condi\u00e7\u00f5es de vulnerabilidade j\u00e1 ligeiramente explanadas neste artigo, trazendo \u00e0 tona uma d\u00favida que, de forma recorrente, a doutrina levanta ao tratar das quest\u00f5es dos crimes contra a dignidade sexual, mais precisamente, nos cometidos contra vulner\u00e1veis: incorreria nesta mesma conduta t\u00edpica o agente ao induzir o menor, no dia em que completasse 14 anos, a satisfazer a lasc\u00edvia de outrem?<\/p>\n

Veja que n\u00e3o \u00e9 uma situa\u00e7\u00e3o complexa de se resolver, por\u00e9m, \u00e9 mister salientar que deve ser analisada com muita cautela e aten\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

Observe a indaga\u00e7\u00e3o acima especificamente com rela\u00e7\u00e3o ao vulner\u00e1vel menor de 14 anos, onde, no dia em que o vulner\u00e1vel menor tiver completado 14 anos, ter incutido em seu pensamento a ideia de satisfazer o prazer sexual de outra pessoa. Nota-se que o menor deixa de ser vulner\u00e1vel no ato de completar 14 anos, mas isto tornaria a conduta do agente indutor at\u00edpica? N\u00e3o, visto que, no \u00a71\u00ba do Art. 227, do presente diploma legal, o agente responder\u00e1 pelo tipo penal similar ao da Corrup\u00e7\u00e3o de Menores, isto \u00e9, Media\u00e7\u00e3o para servir a lasc\u00edvia de outrem, uma vez que a v\u00edtima \u00e9 maior de 14 ou menor de 18 anos, conforme segue:<\/p>\n

Art. 227 – Induzir algu\u00e9m a satisfazer a lasc\u00edvia de outrem:<\/p>\n