Você já assistiu aquela série da Netflix chamada “Golpista do Tinder”? Se não, seria interessante para o seu contato inicial com a temática a ser abordada neste texto. Mas também, caso não tenha visto ou não queira assistir seja lá qual seja o seu motivo, você conseguirá compreender perfeitamente o que é e se de fato existe esse tal “estelionato afetivo”. É só uma sugestão.
Bom, vamos começar pelo começo? Então bora!
O crime de estelionato está previsto no artigo 171 do Código Penal e tem a seguinte redação:
Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento.
Não entrarei nos meandros da explicação sobre cada questão que envolve o artigo, apenas o necessário para que você entenda o enquadramento, ou não, ao famoso “estelionato afetivo” (se quiser entender um pouco mais sobre o estelionato, propriamente dito, clica aqui).
Adianto a vocês que não existe na legislação brasileira qualquer crime chamado “estelionato afetivo/sentimental/amoroso ou qualquer que seja a ramificação nesse sentido”. É isso.
Hoje há um substitutivo ao projeto de lei n. 4229/15 de relatoria do deputado federal Subtenente Gonzaga (do ex-deputado Marcelo Belinati), que se encontra no Senado Federal para aprovação e, após, será remetido à sanção ou veto do Presidente da República, com o propósito de incluir o inciso VII ao §2º ao Art. 171 do Código Penal, prevendo justamente a prática do crime de “estelionato sentimental”, possuindo a seguinte redação:
VII – induz a vítima, com a promessa de constituição de relação afetiva, a entregar bens ou valores para si ou para outrem.
Mas já está valendo? Não! Como eu disse, é apenas um projeto de lei que está com tramitação avançada. Apenas!
O que temos hoje para enfrentar essa questão é, dependendo do caso, o art. 171 do Código Penal, isso quando não estamos diante apenas de uma questão cível.
Vamos então falar das hipóteses possíveis e prováveis de maior ocorrência prática:
1º. Você se relaciona há anos com alguém. Ambos têm projetos em comum. Há empréstimos ou simplesmente é dado dinheiro de uma parte para a outra, muito por conta de perceber um salário maior ou outro motivo que seja. O noivado já está marcado, ou até mesmo já estão casados. Há a quebra do laço afetivo e aquela pessoa que percebeu os empréstimos ou recebeu o dinheiro ou bens como presente resolveu decretar o término do relacionamento. E aí, isso seria realmente enquadrado como hipótese criminosa de estelionato, ou melhor, “estelionato afetivo”? Houve uma situação de engano projetada pela pessoa que terminou o relacionamento?
Não necessariamente. Deve ser observado todo o contexto a fim de apurar a existência ou não de responsabilidade criminal. Nota-se que a pessoa que decretou o término, por mais que tenha percebido inúmeras vantagens principalmente de caráter patrimonial, o objetivo sempre foi de constituir família, de concretizar projetos em comum. Neste caso, ao nosso ver, não se está caracterizado o crime de estelionato na “modalidade” sentimental, na medida em que não houve indução ou manutenção de alguém em erro para auferir vantagem indevida. O que o casal viveu foi real, apenas não deu certo.
2º Você inicia o relacionamento com alguém que promoveu os primeiros contatos contando histórias mirabolantes, fora da realidade de pessoas comuns ou do seu círculo social. Normalmente esses encontros são realizados em locais suntuosos, chiques. A conquista foi rápida. Assim como foi também rápido o noivado e o casamento. Os pedidos de empréstimos eram corriqueiros e a promessa de restituição dos valores também (pois só estava aguardando receber grandes quantias de negócios incríveis que fecharia nos próximos dias/semanas/meses). Pedidos de assinaturas em documentos eram cotidianas. De repente, chega o término e a pessoa desaparece. Quando você percebe, aquele “amor” que parecia um furacão de sentimentos bons, virou tormento psicológico e financeiro. E neste caso, haveria o enquadramento como hipótese criminosa de estelionato, ou melhor, “estelionato afetivo”?
Essa é, indiscutivelmente, a hipótese mais corriqueira dessa espécie de estelionato. Desde o início, o agente se aproveitou do seu momento de sentimento frágil seja pela perda de alguém muito amado na família, seja por um término recente de relacionamento, ou até mesmo por se sentir sozinho(a). São pessoas que normalmente conhecem muito bem o seu humano e a brechas para atingirem em cheio suas pretensas vítimas. Sabem o que falar, sabem como agir, sabem que histórias contar, sabem manipular. O objetivo era de criar uma situação em que mantivesse você em erro com o propósito de auferir alguma vantagem indevida, no caso, financeira/patrimonial. Jamais quis construir uma história, quis, sim, construir o próprio patrimônio e dar adeus a mais uma vítima.
Perceba que no 2º caso há o enquadramento perfeito ao crime de estelionato. O dolo, a vontade e a disposição do agente sempre foi construir uma farsa, uma mentira, de modo a manter a vítima em erro por um breve período, mas com a demonstração de tanto “sentimento” e coisas “boas”, que era impossível perceber a real intenção. A vítima estava entorpecida com a perfeição do relacionamento que acabará de entrar.
Deste modo, para apurar se realmente existiu a prática do crime de estelionato quando envolve relações intimas de afeto, considerando que emoções, assim como o “dolo”, são preservados no íntimo/âmago de cada sujeito, a análise do caso concreto de modo minucioso é imprescindível, aliás, isso determinará se houve um ilícito civil, criminal ou questão sem qualquer reflexos no mundo jurídico.
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Vinícius Vieira
Advogado criminalista