1 INTRODUÇÃO

A doutrina constitucional é uníssona ao estabelecer que as constituições podem ser classificadas – ainda que os elementos destas classificações não sejam unânimes – e, dentre os vários nichos classificatórios pode-se citar o concernente ao sistema, na qual subdivide-se em principiológico e preceitual. A Carta Mãe de 1988 é considerada principiológica, tendo em vista a sobreposição dos princípios às regras.

Dentre os vários princípios albergados pela Constituição Federal, tem-se um dos cernes do Direito Processual Penal, qual seja, o princípio da Não Culpabilidade. Na contramão deste princípio, a Doutrina e a Jurisprudência enquanto a persecução penal, alicerça o princípio do in dúbio pro societate.

Com vistas a apurar a aplicação destes princípios, o presente artigo se debruçará sobre incongruência da Súmula 444 do Superior Tribunal de Justiça, a qual veda a utilização de ação penal ou inquérito policial em curso como circunstâncias judiciais de maus antecedentes.

Não obstante, o mesmo Tribunal entende a possibilidade de regressão de regime de cumprimento de pena, em razão da perpetração de outro crime, no caso doloso, pelo reeducando, mesmo existindo apenas inquérito penal em curso.

Diante disso, discorrer-se-á acerca da insegurança jurídica que paira sobre o Egrégio Tribunal Superior, no que tange à superveniência de novo delito tanto no curso da execução da pena como na persecução penal

2 DOS MAUS ANTECEDENTES COMO CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL E DO PRINCÍPIO DA NÃO CULPABILIDADE

Todo processo, independentemente qual seja seu resultado, deverá findar-se com uma sentença. No processo penal, o magistrado ao analisar as provas coligidas nos autos e constatando a possibilidade de analisar o mérito, proferirá uma sentença condenatória ou absolutória.

É sabido que para proferir uma sentença o magistrado deve observar alguns critérios e, para tanto, o Código Penal adotou o sistema trifásico, conforme se verifica do artigo 68 “A penabase será fixada atendendo-se ao critério do art. 59 deste Código; em seguida serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes; por último, as causas de diminuição e de aumento”.

Denota-se que o artigo 59 do mencionado diploma aborda na primeira fase do sistema as circunstâncias judiciais que consubstanciam-se em: culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade do agente, motivos, circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima.

Das circunstâncias judiciais elencadas, o presente estudo se aterá aos antecedentes.

Lecionando acerca dos antecedentes, Rogério Greco (2015, p. 633) aduz que:

Os antecedentes criminais dizem respeito ao histórico criminal do agente que não se preste para efeitos de reincidência. Entendemos que, em virtude do princípio constitucional da presunção de inocência, somente as condenações anteriores com trânsito em julgado, que não sirvam para forjar a reincidência, é que poderão ser consideradas em prejuízo do sentenciado, fazendo com que sua pena-base comece a caminhar nos limites estabelecidos pela lei penal. Suponhamos que o sentenciado possua três condenações anteriores com trânsito em julgado e que o fato pelo qual está sendo condenado foi praticado antes do trânsito em julgado de qualquer ato decisório condenatório. Não poderá ser considerado reincidente, pois o art, 63 do Código Penal diz verificar-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitada em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior.

Nesse caso, as condenações anteriores servirão para atestar seus maus antecedentes.

Na mesma linha que o autor retro, Cleber Masson (2015, p. 754) enfatiza:

No tocante à validade da condenação  anterior para fins de maus antecedentes, o Código Penal filiou-se ao sistema da perpetuidade, ou seja, o decurso do tempo após o cumprimento ou extinção da pena não elimina esta circunstância judicial desfavorável, ao contrário do que se verifica na reincidência (CP, art. 64, I). Em apertada síntese, não há para os maus antecedentes regra análoga àquela contida em relação à reincidência. Na visão do Superior Tribunal de Justiça.

Todavia, o mencionado autor alerta:

O Supremo Tribunal Federal, todavia, já decidiu que os maus antecedentes também desaparecem após 5 anos do cumprimento ou da extinção da pena: “Quando o paciente não pode ser considerado reincidente, diante do transcurso do lapso temporal superior a cinco anos, conforme previsto no art. 64, I, do Código Penal, a existência de condenações anteriores não caracteriza maus antecedentes”.

Assim, denota-se que o Pretório Excelso entende que as condenações que não servirem para a incidência da reincidência em razão do transcurso do lapso temporal de 5 anos da sua extinção, também não incidem sobre a circunstância judicial dos antecedentes (maus antecedentes), tendo em vista que estes revestem-se de menor gravidade. O Supremo Tribunal de Federal aplicou o sistema da temporariedade.

Partilhando do mesmo entendimento da Suprema Corte, Cezar Roberto Bitencourt citado por Rogério Sanches Cunha (2017, p. 445)

Convém destacar, ademais, a necessidade de respeitar a limitação temporal dos efeitos dos ‘maus antecedentes’, adotando-se o parâmetro previsto para os ‘efeitos da reincidência’ fixado no art. 64 do CP, em cinco anos, com autorizada analogia. Advogando a mesma tese, sustenta Salo de Carvalho, in verbis: ‘o recurso à analogia permite-nos limitar o prazo de incidência dos antecedentes no marco dos cinco anos – delimitação temporal da reincidência -, visto ser a única orientação permitida pela sistemática do Código Penal”.

Vistas as posições apresentadas, não pode se falar que a doutrina, bem como a jurisprudência, estejam pacificadas no que concerne ao período de depuração dos maus antecedentes.

Ademais, há muito se discutia se as ações penais e os inquéritos policiais que estavam em curso poderiam ensejar a valoração negativa dos antecedentes do acusado, Guilherme de Souza Nucci (2010, p. 251), acerca do tema, registra:

Erros são cometidos não somente no texto penal, mas na aplicação da lei, formando-se julgados, que desatendem o princípio da presunção de inocência. Tal medida se dá, quando o magistrado promove o aumento de pena, ao utilizar o art. 59 do Código Penal, valendo-se da consideração de simples registros em folha de antecedentes do réu, inconsistentes para gerar a convicção de culpa. Noutros termos, não se pode levar em conta a existência anterior de um inquérito arquivado ou de um processo, com absolvição, para reputar existentes maus antecedentes e, nesse parâmetro, elevar a pena-base. Ora, se o inquérito foi arquivado ou houve absolvição, inexiste antecedente criminal válido, a menos que se presuma a culpa.

Nesta toada, o Superior Tribunal de Justiça, no Diário de Justiça Eletrônico de 13 de maio de 2010, publicou a Súmula 444 com a seguinte redação “é vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base”.

Ora, a Súmula em questão é de grande valia para as garantias penais e processuais penais dos réus, notadamente em virtude da observância ao princípio da não culpabilidade/presunção de inocência, uma vez que até que se prove o contrário, a imputação de um fato criminoso, sem o devido trânsito em julgado de uma sentença condenatória, não acarretará qualquer prejuízo ao réu, seja de natureza processual ou na esfera de execução de pena.

A Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica) foi ratificada em 1992 pelo Brasil e aduz no seu artigo 8 acerca das Garantias Judiciais, dentre as quais pode-se ressalta que “Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa”.

A Constituição Federal do Brasil de 1988, como já consignado no introito, utiliza-se da sistemática principiológica e, dentre os inúmeros princípios abraçados, cita-se o da não culpabilidade ou presunção de inocência, conforme se vislumbra do artigo 5º, LVII “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença condenatória”. Renato Brasileiro de Lima (2015, p. 43) afirma:

Consiste, assim, no direito de não ser declarado culpado senão mediante sentença transitada em julgado, ao término do devido processo legal, em que o acusado tenha se utilizado de todos os meios de prova pertinentes para sua defesa (ampla defesa) e para a destruição da credibilidade das provas apresentadas pela acusação (contraditório).

Complementando, Dirley da Cunha Júnior e Marcelo Novelino (2016, p. 119):

A presunção de inocência (ou presunção de não-culpabilidade) tem por finalidade evitar juízos condenatórios precipitados, protegendo pessoas potencialmente culpáveis contra eventuais excessos das autoridades públicas.

Embora geralmente designada como “princípio”, não raro, a norma é aplicada como regra, ou seja, como mandamento definitivo a ser cumprido na medida exata de sua prescrição. […]

No direito penal e processual penal, a presunção de não culpabilidade proíbe o Estado de tratar como culpado qualquer indivíduo antes de condenação criminal irrecorrível. Enquanto na pronúncia a dúvida milita em favor da sociedade (in dubio pro societate), na decisão final, havendo fundada incerteza, o réu deve ser absolvido (in dubio pro reo). A comprovação inequívoca da culpabilidade do acusado compete ao Ministério Público, não cabendo ao réu demonstrar sua inocência.

Rogério Sanches Cunha (2016, p. 99) arremata:

A Constituição Federal, no artigo 5º, inciso LVII, determina que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Percebam que a nossa Bíblia Política, diferente de alguns documentos internacionais, não presume expressamente, o cidadão inocente, mas impede considera-lo culpado até a decisão condenatória definitiva.

Na verdade, o princípio insculpido na referida norma garantia é o da presunção de não culpa (ou de não culpabilidade). Uma situação é a de presumir alguém inocente; outra, sensivelmente distinta, é a de impedir a incidência dos efeitos da condenação até o trânsito em julgado da sentença, que é justamente o que a Constituição brasileira garante a todos.

Desta forma, atento ao sistema principiológico adotado pela Carta Magna, o Superior Tribunal de Justiça sumulou o entendimento de que, mesmo com ações penais em curso, ou até mesmo inquéritos policiais, em desfavor do réu, não há que se levarem em conta tais circunstâncias no momento da fixação da pena-base na primeira fase da dosimetria da pena, sob pena de evidente afronta ao princípio da não culpabilidade.

3 DA MITIGAÇÃO DO PRINCÍPIO DA NÃO CULPABILIDADE E DA APLICABILIDADE DO IN DUBIO PRO SOCIETATE

No tópico pretérito salientou-se a importância do princípio da não culpabilidade, o qual se encontra enraizado na Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San Jose da Costa Rica), bem como na Carta Mãe, garantindo aos acusados o direito de serem considerados não culpados (inocentes), até que transite em julgado a sentença responsável por sua condenação.

Não obstante, é cediço que não há princípios absolutos, ou seja, em uma análise objetiva, um princípio não é considerado superior ao outro. Porém, quando há conflito entre princípios deve-se operar o que se denomina ‘ponderação’, isto é, verifica-se, estritamente com relação aquele caso concreto, qual é o princípio que mais se adequa ou que melhor atende ao interesse em questão.

É muito comum na práxis forense criminal depararmos com o conflito entre os princípios da não culpabilidade e do in dubio pro societate.

Inicialmente, é válido tecer alguns comentários acerca do princípio processual penal do in dubio pro societate. Segundo apregoa Renato Brasileiro de Lima (2015, p. 1900):

É muito comum na doutrina a assertiva de que o princípio aplicável à decisão de pronúncia é o in dubio pro societate, ou seja, na dúvida quanto à existência do crime ou em relação à autoria ou participação, deve o juiz sumariamente pronunciar o acusado.

O mencionado princípio não só é aplicável na sentença de pronúncia, como também no recebimento da peça inicial acusatória (queixa-crime ou denúncia), considerando que a inocência ou a própria culpa podem ser provadas em juízo, devidamente lastreadas no conteúdo probatório acostado nos autos e discutido na instrução.

Assim, pode-se extrair o entendimento de que é mais ‘justo’ que o acusado permaneça durante todo o trâmite processual até a sentença final (ainda que seja absolutória) com a pecha de bandido, mal caráter, vagabundo, ramificando todas consequências de um processo penal para sua família, do que se realizar uma correta análise da exordial para, de pronto, rejeita-la, se for o caso, ou, ainda, impronunciar o acusado quando as provas que constem nos autos sejam consideradas frágeis.

Acerca do tema, Victor Eduardo Rios Gonçalves e Alexandre Cebrian Araújo Reis (2013, p.429) lecionam:

Em virtude de a decisão de pronúncia encerrar mero juízo de admissibilidade da acusação, é desnecessária, para a sua prolação, a certeza jurídica que se exige para uma condenação, daí por que deve o juiz, em caso de dúvida, pronunciar o réu, para não subtrair a apreciação da causa do tribunal do júri, juiz natural dos crimes dolosos contra a vida. Diz-se, pois, que nessa etapa vigora o princípio in dubio pro societate, ou seja, na dúvida deve o juiz prestigiar o interesse social de permitir o prosseguimento da persecução penal contra o acusado.

O in dubio pro societate para ser aplicado, como qualquer outro princípio, deve-se analisar o caso, conforme já fora explanado anteriormente. Assim, a título de exemplo, não é sempre que ao deparar o magistrado com a primeira fase do júri pronunciará o acusado.

Esta é a lição de Renato Brasileiro de Lima (2015, p. 1343), apontando determinado pronunciamento do Supremo Tribunal Federal:

[…] como já se pronunciou o Supremo, o aforismo in dubio pro societate jamais vigorou no tocante à existência do próprio crime, em relação à qual se reclama esteja o juiz convencido. Por isso, diante da conclusão dúbia de laudo pericial, que concluiu pela impossibilidade de se determinar a causa da morte investigada, somada à contradição entre a versão apresentada pelo acusado e a da irmã da vítima, concluiu o Supremo que, diante da dúvida do juiz sumariamente acerca da existência de homicídio, não seria possível que o acusado fosse pronunciado sob o pálio do in dubio pro societate.

Em suma, denota-se, então, que o princípio do in dubio pro societate é aplicável, na grande parte dos casos, quando se está diante de algumas das fases processuais anteriores à sentença. Explica-se: ante o recebimento da inicial acusatória e não tendo o magistrado certeza quanto à autoria e/ou materialidade, decide pelo recebimento da exordial, tendo em vista que no decorrer do processo, até a sentença final, mais especificamente em sede de instrução processual e alegações finais, poderá formar um juízo de valor mais convincente quanto a eventual inocência do acusado. O mesmo ocorre na primeira fase do procedimento especial do júri (judicium accusationis), momento em que o magistrado analisa a materialidade e os indícios de autoria e, por mais frágeis que sejam, entende pelo prosseguimento da demanda, a fim de que o Conselho de Sentença determine quanto à inocência, ou não.

Destarte, verifica-se que, em que pese o princípio da não culpabilidade esteja expressamente consolidado na Constituição Federal, há casos em que a jurisprudência e, por vezes, até mesmo a legislação o está mitigando, de modo a consolidar, em algumas oportunidades, o princípio do in dubio pro societate. Todavia, como se delineará adiante, é fato que paira sobre o ordenamento jurídico pátrio e os órgãos julgadores forte insegurança jurídica quanto à execução da pena, no que concerne à regressão de regime de cumprimento de pena no caso de cometimento de crime sem haver, nem mesmo, conclusão do inquérito policial, quiçá trânsito em julgado de sentença penal condenatória.

4 DA SÚMULA 444 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E A MITIGAÇÃO DO PRINCÍPIO DA NÃO CULPABILIDADE NOS CASOS DE REGRESSÃO DE REGIME DE CUMPRIMENTO DE PENA PELA PRÁTICA DE CRIME DOLOSO

Nos capítulos precedentes foi possível verificar a importância que os princípios têm no nosso ordenamento jurídico, e mais, no Estado Democrático de Direito, os quais protegem, ainda que não de forma absoluta, os cidadãos contra eventuais arbitrariedades do Estado por meio dos seus representantes.

Uma das instituições responsáveis pela consagração e aplicação dos efeitos dos princípios vigentes em nosso estado federativo é o Superior Tribunal de Justiça, o qual tem como principais atribuições:

Criado pela Constituição Federal de 1988, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) é a corte responsável por uniformizar a interpretação da lei federal em todo o Brasil. É de sua responsabilidade a solução definitiva dos casos civis e criminais que não envolvam matéria constitucional nem a justiça especializada.

A fim de demonstrar que o Superior Tribunal de Justiça é uma corte que prima pela aplicação dos princípios constitucionais processuais penais, repisa-se, a Egrégia Corte Superior sumulou o entendimento de que “é vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base”. Nesta súmula de nº 444, consagrou-se o princípio da não culpabilidade.

O citado princípio é fundamental na questão relativa aos antecedentes do acusado, tendo em vista que, se ainda não houver sido devidamente condenado com o trânsito em julgado da respectiva ação penal, ou mesmo se se encontra na condição de indiciado em inquérito policial, tais circunstâncias não poderão ser utilizadas em seu desfavor, caso esteja em vias de ser condenado.

Não obstante, a Corte Superior, buscando proteger réu de eventuais abusividades, vedou a possibilidade de ser punido por um fato que, ainda, nem sequer foi elucidado.

No entanto, o Tribunal da Cidadania vem se portando contrariamente ao seu próprio entendimento, uma vez que vem admitindo a regressão de regime de cumprimento de pena em caso de o acusado encontrar-se em execução de sentença, quando este pratica novo delito, que é considerado falta grave quando perpetrado no curso da execução.

Ora, é evidente a incongruência entre as decisões emanadas do Superior Tribunal de Justiça, que por vezes enaltece o princípio da não culpabilidade obstando que qualquer pessoa seja culpada antes da coisa julgada, mas em outras mitiga tal princípio a ponto de rasgar a Constituição Federal e retornarmos ao status de Estado Autoritário.

A Lei nº 7.210/1984 (Lei de Execução Penal), em seu artigo 118, estabelece que:

Art. 118. A execução da pena privativa de liberdade ficará sujeita à forma regressiva, com a transferência para qualquer dos regimes mais rigorosos, quando o condenado:

I – praticar fato definido como crime doloso ou falta grave;

Em que pese o §2º do mencionado dispositivo prever que o sentenciado deverá ser ouvido acerca da suposta prática do delito, a fim de verificar a possibilidade ou não de regredi-lo de regime, na prática ocorre de modo diverso.

O Superior Tribunal de Justiça tem o entendimento de que é prescindível a oitiva o reeducando para que haja regressão de regime, quando este venha a praticar algum delito no curso da execução da pena, ainda que aquele esteja, ainda, em vias de inquérito policial ou de ação penal.

Neste sentido, é a jurisprudência:

HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. PACIENTE CONDENADO POR CRIMES DE ROUBO E TRÁFICO ILÍCITO DE DROGAS. PROGRESSÃO AO REGIME SEMIABERTO. PRÁTICA DE NOVOS DELITOS (TRÁFICO DE DROGAS, ASSOCIAÇÃO AO TRÁFICO E FORNECIMENTO DE ARMA DE FOGO, DE NUMERAÇÃO RASPADA). REGRESSÃO PARA O REGIME FECHADO. POSSIBILIDADE. TRÂNSITO EM JULGADO DE SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA. DESNECESSIDADE. ORDEM DE HABEAS CORPUS DENEGADA. 1. Nos termos do art. 118 da Lei de Execução Penal, a transferência do condenado, a título de regressão, pode ocorrer para qualquer dos regimes mais rigorosos. Precedentes. 2. Na hipótese, enquanto cumpria pena no regime semiaberto, o Paciente foi indiciado pelo cometimento de novos crimes (tráfico de drogas, associação ao tráfico e fornecimento de arma de fogo, de numeração raspada). Após ouvido pelo Juízo das Execuções, foi corretamente decretada a sua regressão do regime semiaberto ao fechado, alterada a data-base para o dia 25/02/2011 e decretada a perda de 1/3 dos dias remidos, não se constatando, pois, o apontado constrangimento ilegal. 3. Basta o cometimento de fato definido como crime doloso para o reconhecimento da falta grave, sendo prescindível o trânsito em julgado da condenação para a aplicação das sanções disciplinares. Precedentes. 4. Ordem de habeas corpus denegada. (STJ – HC: 267886 RS 2013/0097699-8. Relator: Ministra LAURITA VAZ, Data  de Julgamento: 15/08/2013, T5 – Quinta Turma, Data de Publicação: DJe 26/08/2013)

Renato Marcão (2012, p. 177) compartilha do mesmo entendimento:

O inciso I do art. 118 da Lei de Execução Penal determina a regressão pela simples prática de fato definido como crime doloso. Não é preciso aguardar que o executado venha a ser condenado pela prática do referido crime doloso; basta a prática em si.

Não é necessário que o crime doloso tenha sido objeto de sentença condenatória transitada em julgado.

Não ocorre, na hipótese, violação ao princípio da presunção de inocência ou estado de inocência.

Norberto Avena (2015, p. 271) ainda explica que:

Não se ignora a existência de entendimento no sentido de que a regressão do regime apenas com base na prática de crime doloso, sem a exigência de prévia condenação definitiva, implica violação ao princípio da presunção de inocência. Não obstante, tal fundamento tem sido refutado pelos tribunais. Para a visão dominante, o simples cometimento de crime doloso pode acarretar sim a regressão, mesmo porque não há aí qualquer discussão a respeito da culpabilidade do indivíduo, mas tão somente a aferição do desmerecimento diante da conduta praticada73. A propósito, decidiu o Superior Tribunal de Justiça que “não há exigir, em casos tais, trânsito em julgado da condenação pela nova infração, na exata razão de que reduziria a um nada a efetividade do processo de execução”74. No mesmo sentido, a compreensão do Supremo Tribunal Federal aduzindo que “a Lei de Execução Penal não exige o trânsito em julgado de sentença condenatória para a regressão de regime, bastando, para tanto, que o condenado tenha ‘praticado’ fato definido como crime doloso (art. 118, I da LEP)”75.

Todavia, o autor retro ressalva (2015, p. 272:

[…] a regressão exige um mínimo de certeza quanto à ocorrência do fato definido como crime doloso e de sua autoria, o que se tem por atendido, por exemplo, quando já recebida a denúncia ou queixa em relação ao indivíduo ou até mesmo quando informado o juízo da execução acerca de sua prisão em flagrante. Pode ocorrer, entretanto, que após operada a regressão do regime perante a prática de crime doloso, venha o sentenciado a ser absolvido no processo criminal instaurado para apuração dessa infração. Nesse caso, parece-nos evidente que deve ele retornar ao regime a que estava sujeito antes da regressão, mesmo porque a decisão que ordena a regressão possui natureza administrativa e, assim, não pode sobrepor-se à sentença absolutória proferida por juiz criminal.

É notável que a doutrina majoritária é seguidora do entendimento do Superior Tribunal de Justiça, no que tange a desnecessidade de sentença penal condenatória transitada em julgado para regredir o sentenciado de regime, além disso, é prescindível a existência de ação penal, bastando o curso de um inquérito policial para que se opere a regressão do regime de cumprimento de pena.

Importante se faz ressaltar que, se ao final da persecução penal o acusado (reeducando) for considerado inocente e, por consequência lógica, absolvido, retornará, em sede de execução penal, ao status quo ante, ou seja,  ao mesmo regime que se encontrava quando fora punido com a regressão de pena em razão da virtual prática de crime doloso, sendo que o tempo que esteve sob o regime mais gravoso será considerado para fins de progressão de regime.

Destarte, não se requer muito esforço para se vislumbrar que, em razão da regressão temerária e inconsequente o sentenciado não poderá recuperar o tempo que esteve sob o regime mais grave, perdendo, a priori, algumas benesses da execução, como, por exemplo, a comutação de pena. Em suma, por meras suposições fáticas (suposta prática de crime doloso), alguém que está em cumprimento de pena pode passar muitos anos em regime fechado, ou seja, totalmente enclausurado, quando, em verdade, poderia cumprir pena regularmente e, ao final, se eventualmente for considerado culpado, regride de regime, mas, se absolvido, não terá desperdiçado tempo desnecessariamente em um regime mais gravoso.

5 CONCLUSÃO

No presente artigo foi possível constatar a sobreposição dos princípios sobre as normas no direito brasileiro, sendo a Constituição Federal de 1988 considerada como princiopiológica. Todavia é notável que em uma situação fática, alguns princípios poderão se conflitarem, restando por operar a ponderação destes, sobressaindo um com relação ao outro a depender do caso concreto.

Não obstante a norma princípio ter considerável poder no ordenamento jurídico brasileiro, a norma regra, ainda sim, é fonte de direito e deve ser respeitada até que seja considerada inconstitucional ou seja revogada.

É cediço que o magistrado não pode se furtar de julgado um determinado caso, exceto em caso de suspeição ou impedimento. Assim, em consideração a reiteradas decisões sobre determinadas matérias, as cortes superiores, eventualmente, sumulam seus entendimentos. Foi o que ocorreu com o Superior Tribunal de Justiça quando editou a Súmula 444.

Da leitura da Súmula é notável a consagração do princípio da não culpabilidade. Entretanto, o Tribunal da Cidadania, caminhando contra seu entendimento sumulado, proferiu inúmeras decisões que desconsidera o princípio da não culpabilidade, especificamente no que se refere à regressão de regime de cumprimento de pena pela prática de crime doloso, no qual o sentenciado encontra-se somente na condição de investigado.

Logo, denota-se evidente incongruência entre o que encontra-se sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça, a legislação brasileira e a jurisprudência.

Ora, se há súmula que veda a utilização de inquéritos policiais ou ações penais em curso para fins de circunstância judicial de antecedentes consagrando o princípio da não culpabilidade, não há que se falar em regressão de regime de cumprimento de pena pela mesma razão lógica.

Ademais, a própria lei de execução penal determina a regressão de regime no caso de prática de crime doloso sem mencionar a necessidade de outro requisito, bastando tão somente a perpetração de crime doloso.

Destarte, não se pode admitir que em um Estado Democrático de Direito o Tribunal da Cidadania dê as costas à Carta Mãe e profira decisões que vão à contramão aos preceitos fundamentais, causando, por conseguinte, tormentosos transtornos à sociedade, pois não é possível se aferir uma linha de entendimento, ou ao menos um parâmetro, pelo qual possa se guiar. A insegurança jurídica é o que paira sobre o Superior Tribunal de Justiça, no que tange às situações alavancadas neste artigo, o que deve ser urgentemente mudado.

REFERÊNCIAS

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JÚNIOR, Dirley da Cunha; NOVELINO, Marcelo. Constituição Federal para concursos. 7. ed. rev., ampl. e atual. – Salvador: JusPODIVM, 2016.

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Vade Mecum OAB e concursos/obra coletiv de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Luiz Roberto Curia, Livia Céspedes e Juliana Nicoletti. 10. ed., atual. e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2016.

<http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudência/24134447/habeas-corpus-hc-267886-rs-2013-0097699-8-stj> Acesso em 30 de outubro de 2016

<http://www.stj.jus.br/SCON/sumanot/toc.jsp?materia=%27DIREITO%20PENAL%27.mat.#TIT14TEMA0> Acesso em 30 de outubro de 2016

<http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/Institucional/Atribui%C3%A7%C3%B5es> Acesso em 16 de junho de 2017

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