Previsto no rol “Dos Crimes Contra a Dignidade Sexual”, o artigo 217-A do Código Penal prevê o delito de estupro de vulnerável. Inserido em nosso ordenamento pela Lei nº 12.015/09 o crime consiste na prática de conjunção carnal ou ato libidinoso com pessoa vulnerável.

Por “ato libidinoso” o STJ e tribunais em geral têm entendido que é qualquer tipo de ato praticado com propósito lascivo, como, por exemplo, o beijo lascivo, a apalpação de parte intima, a contemplação lasciva, dentre outros.

Em resumo, o vulnerável é qualquer pessoa que não tem capacidade para consentir a prática sexual, por se encontrar em alguma situação de fragilidade ou perigo. Sendo aquele que esteja em alguma situação de fraqueza tanto moral como social, cultural, biológica, fisiológica, em diante. É considerado vulnerável o menor de 14 (catorze) anos, o enfermo ou deficiente mental e aquele que não é capaz de oferecer resistência/discernimento necessário para a prática de ato sexual.

Podemos destacar, ainda, outros casos que podem caracterizar vulnerabilidade da vítima: estar domingo, avançado estado de embriaguez, sonambulismo etc.

Quando estamos diante de vítima vulnerável menor de 14 anos, o crime se configura independente do consentimento, de relação anterior com a vítima ou de experiência sexual prévia conforme súmula 593 do STJ (que influenciou o acréscimo do parágrafo 5º no art. 217-A, essa edição buscava afastar possíveis distorções e subjetivismo nos julgamentos).

Trata-se de um tipo penal de bastante rigidez com pena mínima de 08 (oito) anos, podendo chegar a 15 (quinze) anos, iniciando-se, em regra, em regime fechado.

Nas modalidades qualificadas quando apresenta lesão corporal grave ou resultado morte tem penas de 10 (dez) a 20 (vinte) anos e 12 (doze) a 30 (trinta) anos respectivamente.

Por se tratar de ação penal pública incondicionada o Estado é titular da ação. Em outras palavras, não é necessário vontade/manifestação da vítima.

Por se tratar de crime hediondo é inafiançável e insuscetível de graça, indulto ou anistia.

Portanto, há possibilidade do Réu ser absolvido quando?

 

Absolvição nos casos em que o réu desconhece a idade da vítima

 

Para configurar o crime em estudo é necessária a existência de três requisitos cumulativos: o ato sexual, a condição de vulnerabilidade da vítima e o agente saber dessa condição de vulnerabilidade. É importante ressaltar que a condição de vulnerabilidade não precisa ter sido provocada pelo agente, é necessário apenas que a vítima esteja nessa condição e que ele possua conhecimento.

Existem decisões que reconhecem o erro de tipo quando o Réu nega ter conhecimento da vulnerabilidade, ou seja, a falta de conhecimento/dúvida quanto a idade, enfermidade ou doença mental da vítima. Desse modo, “o agente realiza concretamente (objetivamente) todos os elementos de um tipo penal incriminador, sem, contudo, o perceber” (ESTEFAM; GONÇALVES, 2020, p. 519). É um exemplo o agente conhecer menor dentro de estabelecimento permitido apenas para maiores e se relacionar com este. O agente presume que por estar em ambiente permitido apenas para maiores, que tem conferência de documentos na entrada, que a vítima seja maior também e por isso se relaciona. Neste caso, não haverá crime.

O erro de tipo exclui o dolo, tornando o fato atípico (aquele que não tem previsão legal). Nos termos do art. 20 do Código Penal, segunda parte, o agente responderia somente a título de culpa, se previsto em lei. Nessas circunstâncias, estaria o agente isento de pena, uma vez que o delito tipificado no art. 217-A do Código Penal não prevê modalidade culposa.

 

Absolvição nos casos em que o réu mantinha relacionamento estável e com intenção de constituir família com a vítima

 

Os tribunais têm observado cada vez mais o caso concreto, afinal, não basta o enquadramento do fato no dispositivo do Código Penal, sem levar em conta sua gravidade concreta e a evolução da sociedade.

Considerando a velocidade com que informações são transmitidas e o estimulo à sexualidade é comum, cada vez mais, o amadurecimento sexual precoce. Logo, é viável afirmar que dependendo do caso concreto, aplicar a lei seria uma imposição pesada, injusta e até mesmo desnecessária.

Por isso, há absolvições nos tribunais em casos nos quais se considera que a vítima mantém relacionamento duradouro com o acusado e tem aceitação da família de ambos, não sendo o delito tipificado no art. 217-a e sim, um relacionamento de fato precoce.

A “exceção de Romeu e Julieta”, embora sem previsão legal, já foi reconhecida em alguns casos quando a vítima afirma que a conjunção carnal/ato libidinoso foi consensual e a diferença de idade entre o agente e a vítima não ultrapassa 03 (três) ou 05 (cinco) anos.

A necessidade de análise do caso concreto fica ainda mais evidente quando, de um relacionamento precoce, surge gravidez. Nessa hipótese, além do consentimento dos pais, se cria um núcleo familiar e a condenação pelo crime com a prisão do agente seria extremamente danoso a família, já, que majoritariamente, são responsáveis pela renda familiar. A condenação do agente causaria injustiças e danos irreparáveis (materiais e emocionais), não só ao preso, mas ao núcleo familiar como todo, principalmente ao filho, que seria privado da convivência com o pai.

Em julgamento proferido pelo Superior Tribunal de Justiça, cuja decisão foi unânime, utilizou-se da chamada Distinguishing (distinção), que autoriza a não aplicação de uma tese firmada, quando verificadas particularidades que impedem o julgamento uniforme no caso concreto. Nesse caso, tratava-se de acusado, que enquanto adolescente se relacionou com vítima menor de 14 anos ao tempo dos fatos sob anuência dos pais da dela. Do relacionamento resultou um filho e a decisão de morar juntos na casa dos pais do adolescente que trabalhava para sustentar a família enquanto a então vítima continuava seus estudos.

Segundo o voto do Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, “A incidência da norma penal, na presente hipótese, não se revela adequada nem necessária, além de não ser justa, porquanto sua incidência trará violação muito mais gravosa de direitos que a conduta que se busca apenar[…]”. Isso porque, a pretexto de proteger a vítima menor de 14 anos, a decisão condenatória acabaria por deixar a jovem e o filho de ambos desamparados não apenas materialmente mas também emocionalmente, desestruturando a entidade familiar que é, também, protegida constitucionalmente.

 

Absolvição nos casos em que a palavra da vítima estar isolada no processo

 

O crime de estupro de vulnerável tem baixo nível de standard probatório para condenação. Isso significa que por ser um crime clandestino, praticado longe dos olhos das testemunhas e que deixa poucos vestígios, a quantidade de provas são poucas. Devido a isso a palavra da vítima tem especial relevância, sendo, por muitas vezes, a única prova da ocorrência do crime.

Todavia, a palavra por si só, não basta. É necessário, obviamente, que seja constatada coerência e o alinhamento com os demais elementos e indícios presentes no processo.

Aqui, o princípio do in dúbio pro reo deve ser aplicado no seu máximo aproveitamento, posto que qualquer resquício de dúvida pode ser um fio solto leva à inocência do réu e deve ser visto com seriedade, afinal se trata de pena extremamente alta e de um crime de grande reprobilidade perante a sociedade.

Há absolvições no STF de casos em que a vítima, após mentir em juízo, faz retratação.

 

REFERÊNCIAS

 

AgRg no REsp n. 1.995.795/SC, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do Tjdft), Quinta Turma, julgado em 23/8/2022, DJe de 26/8/2022.

AgRg REsp n. 1.154.806-RS, Rel. Ministro Sebastião Reis Junior, 6ª T., DJe 21.03.2012.

AREsp 1.555.030/GO, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 18/5/2021, DJe 21/5/2021

BRASIL. Decreto-Lei nº2.848 de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm.  Acesso em 11 Abril 2023

BRASIL. LEI Nº 12.015, DE 7 DE AGOSTO DE 2009. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l12015.htm. Acesso em 11 Abril de 2023.

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 2015.

VITAL, Danilo. STJ afasta presunção de crime em caso de estupro de vulnerável. Conjur, 25 de agosto de 2021. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-ago-25/stj-afasta-presuncao-crime-estupro-vulneravel. Acesso em 11 abril de 2023.

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